tag: Melancolia: January 2005

Melancolia

espaço de discussão e de reflexão sobre a melancolia, tanto como sentimento como enquanto atitude diante da contemporaneidade e da sua cultura.

Tuesday, January 18, 2005

a respiração melancólica (ou o negro da combustão)


In the mood for love de Wong Kar-wai
2004

2046 (2)

de Wong Kar-wai

O filme inicia-se com uma imagem muito bela de uma mulher vista de costas contra uma íris, vestida como só nos filmes deste realizador elas surgem. Fecha com uma imagem correspondente de mulher contra íris. Como se de uma viagem pelos nervos da personagem masculina se tratasse; pelos nervos, pela percepção e pela memória. Ida e volta, entre um primeiro momento e o momento final: de uma primeira imagem a uma outra que altera a percepção da primeira e das futuras imagens. Tenho a certeza de que se Wong Kar-wai intitulasse este filme de A la recherche du temps perdu ninguém protestaria. Tem tudo a ver com o centro do argumento proustiano, e é muito mais verdadeiro na sua visão do tempo, da memória e da percepção do que uma coisa banal e informe que vi e se intitulava O tempo reencontrado. Depois deste filme, ninguém pode dizer que representar o amor não é possível. O espectador é o único que regressa do ano 2046. É por isso que digo que é deslumbrante, no sentido em que ilumina os olhos cegos do desejo, a face escondida da ânsia da nossa respiração.

(continua)
Belacqua

Tuesday, January 11, 2005

2046 de Wong Kar-wai


À procura do desejo no tempo e no espaço perdidos.

2046

de Wong Kar-wai

Alguém disse que este filme de Wong Kar-Wai é deslumbrante (julgo que Eduardo Prado Coelho). Não podia eu estar mais de acordo. Contudo, gostaria de precisar de que deslumbramento se trata para mim. A palavra entrou na língua portuguesa por influência castelhana no século XVII e o exemplo que é dado do seu uso é interessante para o meu argumento: «O seu rostro...não deslumbra os olhos do corpo, senão que alegra os da alma». O seu significado é paradoxalmente muito encadeante, pelo que num primeiro entendimento confunde e não esclarece: “deslumbrar” significa turvar a vista de qualquer coisa pela acção de um excesso de luz; seduzir. Como seduzir significa o mor das vezes “enganar”, seríamos obrigados a dizer que o filme sendo deslumbrante é também mentiroso. Contudo, nada nele é enganador ou falso. Se quisesse medir o grau de distância em relação à verdade subjectiva da nossa experiência do amor, que é o assunto central dos filmes de Wong Kar-Wai, diria que o filme anterior do realizador chinês, In the mood for love, se coloca muito mais ao nível da simples aparência que este 2046. Na verdade, num entendimento de senso comum da palavra “deslumbrante”, diria que o filme anterior é muito mais deslumbrante do que este, aqui integrado, por mim, numa expressão muito actual da melancolia como emoção. Acrescentaria que estética e filmicamente 2046 me parece ser a síntese de dois filmes muito diferentes, não pelo pensamento que lhes subjaz mas pela sua oficina fílmica: Fallen Angels (Anjos Caídos) e In the mood for love (Disponível para amar, ou o título dado no Brasil e muito mais adequado, Amor à Flor da Pele).
(a continuar)
Belacqua