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Melancolia

espaço de discussão e de reflexão sobre a melancolia, tanto como sentimento como enquanto atitude diante da contemporaneidade e da sua cultura.

Tuesday, January 11, 2005

2046

de Wong Kar-wai

Alguém disse que este filme de Wong Kar-Wai é deslumbrante (julgo que Eduardo Prado Coelho). Não podia eu estar mais de acordo. Contudo, gostaria de precisar de que deslumbramento se trata para mim. A palavra entrou na língua portuguesa por influência castelhana no século XVII e o exemplo que é dado do seu uso é interessante para o meu argumento: «O seu rostro...não deslumbra os olhos do corpo, senão que alegra os da alma». O seu significado é paradoxalmente muito encadeante, pelo que num primeiro entendimento confunde e não esclarece: “deslumbrar” significa turvar a vista de qualquer coisa pela acção de um excesso de luz; seduzir. Como seduzir significa o mor das vezes “enganar”, seríamos obrigados a dizer que o filme sendo deslumbrante é também mentiroso. Contudo, nada nele é enganador ou falso. Se quisesse medir o grau de distância em relação à verdade subjectiva da nossa experiência do amor, que é o assunto central dos filmes de Wong Kar-Wai, diria que o filme anterior do realizador chinês, In the mood for love, se coloca muito mais ao nível da simples aparência que este 2046. Na verdade, num entendimento de senso comum da palavra “deslumbrante”, diria que o filme anterior é muito mais deslumbrante do que este, aqui integrado, por mim, numa expressão muito actual da melancolia como emoção. Acrescentaria que estética e filmicamente 2046 me parece ser a síntese de dois filmes muito diferentes, não pelo pensamento que lhes subjaz mas pela sua oficina fílmica: Fallen Angels (Anjos Caídos) e In the mood for love (Disponível para amar, ou o título dado no Brasil e muito mais adequado, Amor à Flor da Pele).
(a continuar)
Belacqua

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

"Antigamente, quando as pessoas queriam guardar um segredo, subiam a uma montanha, procuravam uma árvore, faziam nela um pequeno buraco, e depois aproximavam dele os seus lábios, e segredavam para o seu interior o segredo que desejavam que mais ninguém conhecesse.
De seguida, faziam uma pequena bola com terra, e tapavam o orifício da árvore, para que o segredo nunca mais saísse da árvore."
Esta pequena história, que o narrador conta no início do filme, parece-me ser a metáfora de tudo o que se vai passar em "2046".
Lol V. Stein

11:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sim, parece-me de facto metáfora de tudo o que se vai passar em 2046, pois o buraco da árvore em que a confissão paira, vívida, esperando uma libertação, é também esse ano interior e utópico onde todas as experiências permanecem intocadas, como um perfume que, quando destapado o frasco, se exala como corpo rarefeito, reconstruível pelo sujeito que o aspira.

9:01 PM  

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