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Melancolia

espaço de discussão e de reflexão sobre a melancolia, tanto como sentimento como enquanto atitude diante da contemporaneidade e da sua cultura.

Tuesday, January 18, 2005

2046 (2)

de Wong Kar-wai

O filme inicia-se com uma imagem muito bela de uma mulher vista de costas contra uma íris, vestida como só nos filmes deste realizador elas surgem. Fecha com uma imagem correspondente de mulher contra íris. Como se de uma viagem pelos nervos da personagem masculina se tratasse; pelos nervos, pela percepção e pela memória. Ida e volta, entre um primeiro momento e o momento final: de uma primeira imagem a uma outra que altera a percepção da primeira e das futuras imagens. Tenho a certeza de que se Wong Kar-wai intitulasse este filme de A la recherche du temps perdu ninguém protestaria. Tem tudo a ver com o centro do argumento proustiano, e é muito mais verdadeiro na sua visão do tempo, da memória e da percepção do que uma coisa banal e informe que vi e se intitulava O tempo reencontrado. Depois deste filme, ninguém pode dizer que representar o amor não é possível. O espectador é o único que regressa do ano 2046. É por isso que digo que é deslumbrante, no sentido em que ilumina os olhos cegos do desejo, a face escondida da ânsia da nossa respiração.

(continua)
Belacqua

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

De facto, o deslumbramento não implica aqui o engano. Deslumbrantes são as imagens que povoam esta dor omnipresente, criando um imaginário de representação, uma nova imagem para ela. A beleza destas imagens não obnubila, esclarece; entranha-se na nossa percepção, abrindo espaços de compreensão internos, horizontes de conhecimento. Uma em particular permanece na minha memória, meses após a visualização do filme. Uma imagem que surge várias vezes desde o início do filme, situada fora do espaço e do tempo, de uma anca feminina em movimento, envolta em tecido delicado, e de uma mão enluvada de negro, que oscila ao ritmo do passo. A imagem surge no filme como uma reminiscência, e é nessa qualidade que se imprime na nossa mente, como se nos apropriássemos de memórias alheias.

8:46 PM  

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