tag: Melancolia: A melancolia e arte

Melancolia

espaço de discussão e de reflexão sobre a melancolia, tanto como sentimento como enquanto atitude diante da contemporaneidade e da sua cultura.

Saturday, December 11, 2004

A melancolia e arte

A melancolia, enquanto símbolo cultural e literário, pode ser compreendida como a referência à situação que conduz o príncipe Hamlet a dizer a Horatio e Marcellus:
"Desconjuntou-se o tempo e é meu maldito fado
Ter de pôr a direito o tempo errado." [Hamlet: final do 1º Acto ― SHAKESPEARE]
“Desconjuntou-se o tempo”, The time is out of joint, (segundo a belíssima tradução de Sofia Mello Breyner Adresen), ou numa imagem menos bela e mais pitoresca, se bem que talvez mais literal, “o tempo está fora dos gonzos”. Ao melancólico, como diz o príncipe Hamlet sobre si próprio, cabe tentar voltar a acertá-lo, e ao artista que experimenta a melancolia trabalhar criativamente com esse objectivo como o faz Hamlet por intermédio desse exemplo inesquecível de “teatro dentro do teatro” que é o “Dumb Show”. Mas, porventura, como Orfeu no Hades, dividido entre cumprir a regra dos deuses de não poder olhar a sua Eurídice e o desejo incontrolável de confirmar que ela o segue para o mundo dos vivos, o artista melancólico vive entre a unidade encantatória do seu canto e o perigo constante da fragmentação, tanto de si mesmo como da sua criação; entre o cisne heráldico e o bobo de feira ou, do avesso, entre a auto-desvalorização depressiva e a hiper-valorização maníaca. O perigo da paralisia acidiosa configura-se muitas vezes na imagem da quietude angustiada e desassossegada. Mas, felizmente, existem processos de ultrapassar essa atonia da vontade, estando a literatura e a arte, seguramente, entre eles. Como aponta Kristeva no Soleil noir, elas podem realizar “aqui o que está para lá”:
"(...) as artes parecem indicar alguns procedimentos que contornam a auto-complacência e que, sem inverter simplesmente o luto em mania, asseguram ao artista e ao conhecedor um ascendente sublimativo sobre a Coisa perdida." [KRISTEVA, 1987: 109]
Paradoxalmente, é com os materiais do trabalho literário e artístico que o simulacro estético torna presente o eterno e eterno o presente. Nesta magia da arte, a poética melancólica tem um papel central.
Belacqua

1 Comments:

Blogger M. said...

Diz assim o Cocteau:
« Je sens une difficulté d’être. » C’est ce que répond Fontenelle, centenaire, lorsqu’il va mourir et que son médecin lui demande : « Monsieur Fontenelle, que sentez-vous ? » Seulement la sienne est de dernière heure. La mienne date de toujours.
Ce doit être un rêve que de vivre à l’aise dans sa peau. J’ai, de naissance, une cargaison mal arrimée. Je n’ai jamais été d’aplomb. Voilà mon bilan si je me prospecte. »

E se acontecer ao melancólico deixar que, precisamente pela arte, “uma frialdade de morte” quase apague o fogo do seu espírito? Quer dizer, e se falhar a tentativa de contornar a auto-complacência sem inverter o luto em mania? Será que só lhe resta ir vivendo desconfortável na sua pele e convencer-se de que não há saída? “Feliz aquele que administra sabiamente/ a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias”, diz o Ruy Belo.
Está a ver por que razão é tão difícil comentar o seu blog? Ou lhe peço que negue tudo para que eu possa achar que ainda há esperança, ou então bem posso ficar em casa o resto do dia porque, afinal, de nada serve ir ao cinema...

Maria

4:56 PM  

Post a Comment

<< Home